Teria você vivido anteriormente?

Como pode haver igualdade de criaturas desigualdade desde o nascimento?! Se Deus é o Pai que ama, igualmente a todos os seus filhos, como diz S, Mateus, que Pai é este…(Mario Roso de Luna)

TERIA VOCÊ VIVIDO ANTERIORMENTE?

Mario Roso de Luna 

Acima de qualquer espírito dogmático, é forcoso reconhecer que a hipótese de vidas anteriores satisfaz perfeitamente a ânsia de justiça, inata no coração do homem. Quem nasce em uma família de deserdados ou de criminosos, cego, ou com taras hereditárias, como não ha de queixar-se a Deus, ou à fatalidade, da injustiça do seu nascimento, Injustiça que colocou a outros em lugares superiores, com saúde perfeita em um meio ambiente mais apto para todo o progresso o progresso e felicidade? O rugido de feras das eternas questões sociais não têm, sem dúvida, outras causas além das desigualdades de nascimento que falam, mais que de um “pecado original” comum a todos, de um “pecado originado na vida anterior de cada qual”, e com o qual viemos a um mundo que logo nos fala, pomposamente, de igualdade diante da lei.

Como pode haver igualdade de criaturas desigualdade desde o nascimento?! Se Deus é o Pai que ama, igualmente a todos os seus filhos, como diz S, Mateus, que Pai é este, que tão desigualmente repartiu entre os seus filhos a herança da vida? O caminho para a blasfêmia fica aberto, assim… Talvez, por isso, Orígenes, Tertuliano e outros doutores cristãos primitivos foram partidários de algumas “vidas anteriores”, das quais a vida atual, com suas qualidades e suas taras, fosse o prêmio ou o castigo. Assim, na vida evolutiva da grande “floresta” humana, todas as humanas árvores seriam da mesma espécie: porém, umas, as “almas jovens” ou com poucas existências prévias, não podem dar frutos bons por falta de experiências, que noutras almas, “mais velhas” vem atezourando em grande número, por efeito de quedas e de dores. Aquelas, como as crianças abandonadas a si mesmo, não podem fazer senão o mal, que é um bem imperfeito. Estas, ao contrário, já conhecedoras de que todo o mal tem sua sanção em uma ou outra vida (Karma ou retribuição da Lei natural), não podem senão fazer o bem, que, experimentalmente, se encontra mais de acordo com sua natureza.

Quem antes se suicidou, hoje suportará, heroicamente, as contrariedades que na vida anterior o arremessaram à loucura fatal, pois alguém definiu muito acertadamente a experiência como um “escudo formado por todas as armas que nos feriram”. O viciado de outra vida será santo na atual, o que é perfeitamente lógico quando se considera que, no lapso de uma mesma vida, grandes pecadores, como Madalena ou Sto. Agostinho, conseguiram se tornar santos. Como pedir à anzinha de três anos o mesmo fruto que à arvore corpulenta de três séculos? Deus é justo, não dá cousa alguma a ninguém, senão o direito de conquistar.
Tudo isto é extraordinariamente convincente. Porém, o espírito comum que, de momento aceita a teoria da reencarnação, tão elementarmente exposta, pode mais tarde levantar-se severo contra tal idéia. Se vivemos em outras ocasiões porque não nos recordamos disso? Porque, então, nascemos algumas vezes com um sexo e outras com outro? A malícia farisíaca também propôs a Jesus o caso do marido sucessivo das sete mulheres, perguntando de qual das sete seria ele o verdadeiro esposo no céu, ou seja, em uma vida ulterior, ao que o Mestre divino replicou, fazendo a mesma alusão aos “mistérios do Reino de Deus”, mistérios esotéricos ou para os poucos, de que em ocasião análoga fala o capitulo X III, versículos 11 a 13, do Evangelho de S. Mateus. A reencarnação era o primeiro daqueles mistérios, porque, de fato, segundo ela seja interpretada, pode conduzir-nos a uma verdade sublime ou a um perigoso, ridículo, perigoso, sim, porque com o eterno problema do sexo, essa doutrina poderá levar-nos à das “damas e cavalheiros” de antigamente, em que uma era a mulher verdadeira e a outra “a dama dos pensamentos”, mulher verdadeira talvez em outra vida anterior. Disso resultaram vários casos lamentáveis entre inocentes espiritualistas.

A funesta doutrina das “almas gêmeas”, que se vêm conhecendo e amando ao longo de múltiplas existências, à maneira de Manon Lescout e o cavalheiro Des Grieux, e através das mais novelescas tragicomédias, é formidável empecilho contra o qual se oporá sempre a idéia simples da reencarnação. Isso sem contar com a inevitável vaidade de crermo-nos a reencarnação, nunca de criminosos, sempre de grandes homens: assim, em nossa grande experiência de filosofia oriental, temos conhecido dois “Cervantes”, três “Alcehiades” e vários “Dantes” e “Abelardos”, com suas “Eloisas”, que… valha-nos Deus!
Assim colocados ante um problema, de que o mundo já se apoderou, sobretudo pela dor do corte cruel de milhões de vidas em flor na Grande Guerra, tem-se que dizer toda a verdade, não a funesta meia verdade, sempre pior que a própria mentira. Para evitar más compreensões é que foi tornada secreta, antigamente, a tradicional verdade de que reencarnamos.

As línguas sábias (o latim a última) sempre diferenciaram no homem a “personalidade” inferior da “individualidade” interna. Aquela é mera “máscara” ou envoltura (“personna”), e esta equivale à “apoteosis” dos “dois em um”, ou seja, aquilo que na doutrina oriental arcaica (ou Sabedoria Tradicional das Idades, ou Teosofia) se denomina “divina Tríade”, que preside a cada “quaternário inferior”, ou o homem de barro, de paixões, de idéias, e sentimentos concretos ou egoístas. A personalidade nasce ou morre aqui, com um sexo ou outro, sem jamais reencarnar, pelo que a pessoa de Fulano de Tal, “com tal máscara ou envoltura”, nada foi antes dessa vida e nada será depois dela. Não há para ela “Alcebíades”, nem “Cervantes”, que a justifiquem como “prolongamento” ante o “post mortem”. Ao contrário, a Individualidade “superior” ou “Tríade”, preside a cada existência individual, reencarnando, ou seja, tomando corpo ou Instrumento de carne em diversas “personalidades”, as quais “pessoas” são sempre diferentes umas das outras, como os números de uma mesma dezena, os dias de um mesmo ano e as pulsações de um mesmo coração. Pelo fato de haver um “cérebro distinto”, em cada reencarnação, não é possível a recordação; porém, existe a reminiscência daquelas abstrações ou qualidades, libertadas pela grande “Abelha” da “Tríade” divina, nas flores efêmeras das sucessivas personalidades em que reencarnou, e que jazem latentes em nosso subconsciente, em forma de aptidões ou repugnâncias, de virtudes e de vícios.

Exemplos? O postilhão que ia montando sucessivos cavalos, nos antigos postos de “postos de encilhamento”, era sempre o mesmo e percorria assim grandes distâncias; porém, os cavalos em que sucessivamente ia montando eram distintos uns dos outros. As contas de um colar são todas diferentes entre si e, no entanto, graças ao “fio conector”, constituem o colar propriamente dito. Imagem fiel, a conta, de uma rotação ou dia da Terra, e o colar inteiro, a sua translação ou ano. Um eterno anel, mudando de “pedra” cada vez!…

O Homem, a “tríplice maravilha” de Hermés o Trismegisto, é “Anjo”, “Pensador” e “Besta” em uma só peça. Como Anjo é um raio divino do Logos Demiúrgico ou “anima-Mundi”, como diria Platão, e tão eterno é perdurável como o sistema planetário animado pelo Sol, donde provém. Pela centelha de Pensamento que o reveste, é algo amoroso e volitivo, que reencarna, que atravessa com seu fio de ouro e sem sexo, vidas sucessivas ou seriadas, diversas bestas corporais e terrestres, nas quais reencarnam, para “desencarnar” depois, mil e uma vezes através de séculos incalculáveis… Alexandre, César, Napoleão, foram, sem duvida, seres humanos distintos, de épocas distintas; porém, sua Tríade superior, sua Tônica única ao concerto humano, poderia ter sido a mesma através de suas correspondentes personalidades, e presidir assim as tremendas obras destruidoras e reformadoras do “Karma” ou missão de cada uma delas, através dos tempos. As diferentes personagens da História nascem, vivem e morrem como flores de um dia. Suas pessoas ou “máscaras” são distintas, porém presididas, ao longo de suas respectivas vidas, aqui em baixo, por um Pensamento coordenador.

Plutarco, em suas célebres “Vidas Paralelas”, ajuntou aos pares diversos personagens gregos e latinos, dotados de características análogas, cousa que se poderia fazer com muitos outros, bastando comparar os discutidos ciclos de Vico, com os que a História parece repetir, senão em ciclos fechados, pelo menos em curvas de espiral. Porém, o grande discípulo de Platão teve o cuidado de não dizer que uns eram a reencarnação dos outros, assim como cada escala do plano não é a reencarnação, senão a continuação serial de quantas a antecedem ou a seguem. E, se grandes seres dizem recordar suas vidas anteriores, havemos de entender que nunca operaram tais recordações com o cérebro físico, senão com a sublime intuição que é uma das características da Tríade. Cousa notável, por certo, é Sanchoniathon, Moisés, Budha, Jesus, Mahoma, S. Francisco de Assis e Beethoven, o mártir apareceu cronologicamente seriados a distâncias respectivas de uns seis séculos.

Por isso sempre encarei um relógio como algo sagrado. Nele sempre existe um volante ou um pêndulo, coração vital do instrumento, que marca os segundos com as suas pulsações. Cada pulsação é como um ato ou um pensamento nosso que faz avançar, no relógio, um dente na roda dos segundos. Urna rotação completa desta roda e um minuto, ou o avanço de um dente da roda dos minutos, com o que as rodas avançam pouco a pouco até as vinte e quatro de um dia. Relógios complicadíssimos temos conhecido, que marcam os dias os meses os anos e poderiam marcar, se o desejasse, os séculos, os milênios, as yugas, as eternidades… porque “eternidade” não significa “sempre”, em hebreu, senão um tempo muito grande, cuja indefinida duração escapa à nossa compreensão. Pois bem, através dos diferentes segundos, o minuto “reencarna” ou se manifesta, e assim por diante. Isto é, assim como na numeração, às custas de unidades se compõe as centenas, etc. etc. e cada unidade superior vai se mani-festando através das anteriores, nada, em realidade, “reencarna”, senão que a Força Inteligente do Cosmos, ou Harmonia, vai se manifestando em cada caso concreto e adquirindo nele “estados de consciência”. Nossa vida sobre a Terra não é, pois, senão um dos infinitos estado de “consciência física”, de alguma cousa superior, celeste, Angélica, mística, razão pela qual tem sido repetido, no Oriente, que a doutrina dos que crêem que enquanto o homem desenvolve aqui em baixo, sua alma está nas estrelas é uma doutrina eminentemente ocultista.

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Texto retirado da revista O Luzeiro – 1952 – compilado por Bruno R.
Artigo do Dr. Mario Roso de Luna, publicado originalmente (em castelhano) na revista Dhârânâ N º 29, para a qual foi especialmente escrito.

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